Em
sua primeira visita ao Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude, o
papa Francisco tem pela frente uma dupla missão: tentar conter o
crescimento das denominações evangélicas pentecostais e arrebanhar fiéis
afastados da Igreja Católica que, em número cada vez maior, se declaram
'sem religião'.
A tarefa é especialmente desafiadora no Rio de
Janeiro, local escolhido para sediar o evento, que começa na
terça-feira, 23, e vai até o próximo domingo, 28 de julho. A cidade, que
apresenta uma das menores proporções de católicos entre as capitais
brasileiras, reflete, em maior grau, segundo demógrafos, a crise por que
passa o catolicismo no país.
Maior nação católica do mundo desde
meados de 1950, quando tomou o posto da Itália, o Brasil, hoje com 123
milhões de fiéis, atravessa um acentuado processo de diversificação
religiosa.
Nas últimas décadas, o catolicismo, até hoje a fé
dominante no país, vem perdendo terreno para as correntes evangélicas,
ao passo que cresce também o número de pessoas que se definem como 'sem
religião'.
Dados do último Censo, em 2010, revelaram, pela
primeira vez, que o número de católicos caiu em números absolutos e
relativos no Brasil.
Naquele ano, eles somavam 123,3 milhões, ou 64,6% da população, contra aproximadamente 125 milhões, ou 73,6% do total, em 2000.
Por
outro lado, os evangélicos ganharam, no mesmo período, quase 20 milhões
de adeptos, passando de um contingente de 26,5 milhões (15,4% da
população) para 42,3 milhões (22,2% do total).
Já os que se declararam 'sem religião' cresceram de 12,5 milhões (7,4%), em 2000, para 15,3 milhões (8%), em 2010.
Para
efeitos de comparação, em 1872, quando o catolicismo ainda era a
religião oficial do país, 99,7% dos brasileiros se declaravam católicos.
Segundo
demógrafos, o fenômeno evidencia uma mudança da hegemonia religiosa no
Brasil, que deve culminar, se mantidas as atuais tendências, com o fim
do catolicismo como religião majoritária da população até 2040.
Por
volta desse ano, haveria um empate técnico entre o número de católicos e
evangélicos no país, de acordo com um estudo intitulado A dinâmica das
filiações religiosas no Brasil entre 2000 e 2010: diversificação e
processo de mudança de hegemonia e realizado pelos demógrafos do IBGE
José Eustáquio Diniz, Luiz Felipe Walter Barros e Suzana Cavenaghi.
'Entre
os 10 maiores países do globo, isso deve acontecer somente no Brasil',
afirmou à BBC Brasil o demógrafo José Eustáquio Diniz, professor da
Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
'Entre 2000 e
2010, o equivalente a todo o acréscimo demográfico, em torno de 21
milhões de pessoas, foi para outros grupos religiosos', acrescentou.
Rio de Janeiro
Em
meio à perda de popularidade do catolicismo, a escolha da sede da
Jornada Mundial da Juventude de 2013 não é mera coincidência.
Cartão-postal do Brasil, o Rio de Janeiro é o melhor retrato da transformação religiosa que o país atravessa.
Para
demógrafos, o Estado consiste em uma espécie de 'termômetro' das
transições sociodemográficas, antecipando como será o Brasil do futuro.
'Trata-se
do Estado mais urbanizado, mais metropolizado, mais envelhecido e com
as menores taxas de fecundidade do país. Também é o Estado que tem
apresentado a menor percentagem de filiações católicas, a mais elevada
dos sem-religião e a maior diversidade religiosa', afirma Diniz.
Segundo
o levantamento coordenado por Diniz, a cidade do Rio de Janeiro estaria
'adiantada' em relação à média brasileira em cerca de 20 anos, o Estado
do Rio de Janeiro, em 25 anos, e o colar da Região Metropolitana do Rio
de Janeiro (que reúne os municípios da região metropolitana com exceção
da capital), em torno de 30 anos.
Esta última região, destaca o
demógrafo, já mostra uma situação de empate técnico entre católicos e
evangélicos. Ali, os evangélicos também já são maioria entre crianças,
jovens e mulheres no período reprodutivo (até 39 anos).
Motivos
Na
avaliação dos demógrafos, a mudança do perfil religioso é explicada em
grande parte pelas transformações socioeconômicas da população
brasileira nas últimas décadas.
Comparados aos católicos, os
evangélicos crescem a um ritmo mais rápido entre as mulheres, os jovens,
a população urbana e entre as pessoas que se declaram negras e pardas,
segmento que mais cresce no país, explica Diniz.
'O Brasil está
ficando mais urbano, mais feminino, mais miscigenado, com maiores níveis
educacionais e mais de classe média, em relação ao rendimento. Em todos
os pontos, os evangélicos levam vantagem sobre os católicos'.
'O
único segmento da população em que os católicos tem maioria absoluta é
entre os idosos. Mas, ao morrerem, não serão substituídos por novos
fiéis, ampliando a sangria da Igreja Católica', acrescenta.
Uma
pesquisa desenvolvida pelo instituto Data Popular à que a BBC Brasil
teve acesso retrata tal desafio. O levantamento ouviu 1.501 pessoas em
100 cidades brasileiras em maio deste ano.
Segundo o estudo, 44,2%
dos jovens entrevistados (entre 16 e 24 anos) se declararam católicos,
enquanto que a taxa chegou a 57,9% entre aqueles que tinham mais de 50
anos.
Além dos aspectos socioeconômicos, acrescenta Diniz, os
evangélicos também cobrem um espectro mais amplo do mercado religioso,
uma vez que são capazes de 'customizar a mensagem de fé', fortalecendo o
processo de migração religiosa.
'Há muitas vertentes de igrejas evangélicas pentecostais, adaptadas para todo tipo de público', afirma o demógrafo.
Mas
para o teólogo Paulo Fernando Carneiro de Andrade, professor da
PUC-Rio, a missão do papa Francisco, apesar de difícil, não é
impossível.
'Dado o atual contexto, a visita do Papa Francisco
pode incentivar o retorno dos desgarrados a Igreja. Uma de suas
qualidades é, sem dúvida, a empatia', afirmou ele à BBC Brasil Paulo.
'Nas
Américas, diferentemente do que acontece na Europa, o processo de
secularização não caminha para o ateísmo. Aqui as pessoas se declaram
'sem religião', mas não necessariamente não acreditam em Deus. É com
essas pessoas que o Papa pode voltar a falar', acrescentou.